Em nossa vida, muitas vezes se apresentam várias situações de perdas e despedidas. São pessoas que uma vez gostamos e que já se foram, outras que não combinamos mais, coisas que não ornam nosso corpo, negócios, acordos, situações e muitas outras coisas mais.
Como estamos muito apegados à forma, acabamos por ter dificuldade de deixar as coisas para trás. É como se tudo aquilo fizesse parte de nós. Quando menos percebemos, estamos agarrados em relacionamentos fracassados, amizades não frutíferas, trabalhos entristecedores ou negócios que já não correspondem à nossa essência.
Há momentos que tudo grita por mudança. Uma parte de nós sabe disso, reconhece e quer andar para frente e outra parte está presa às sensações que outrora foram provenientes daquelas situações. Aí se instala a confusão.
Precisamos ter consciência, o tempo inteiro, de que nossa lembrança é do sentimento que aquilo nos proporcionou e não da coisa/situação em si. Quando pensamos assim fica muito mais fácil deixar ir aquelas lembranças.
Repare que as coisas não tem tanta importância assim, o que importa são as sensações que se transformam em memórias. Nossa saudade e apego são provenientes das memórias.
A melhor metáfora para exemplificar uma vida bem vivida é a do rio que nasce na primeira gota da nascente até se transformar em um rio grande e opulento que depois se perde no mar. Quando ele chega ao mar ele tem acesso à infinitude e ao ilimitado, mas para acessar esta infinitude ele precisa esquecer-se do apego em si mesmo e suas memórias. Se o rio ficasse apegado à sua forma e a sua grandeza como um rio, ele jamais se deixaria chegar ao mar. Ele resistiria.
No seu caminho até o mar o rio banha lindas cidades, paisagens maravilhosas, alimenta os animais em suas partes rasas e, certamente, tem acesso a toda beleza que pode existir. Se o rio parasse para contemplar a primeira bela flor que visse e ficasse com medo de deixar ir aquela lembrança, não teria como contemplar as outras belas flores que estariam a surgir em seu curso.
Muitas vezes na vida ficamos presos na primeira flor, nas primeiras margens. Aquilo nos faz sentir ser quem somos e, momentaneamente, sentimos que aquele é nosso lugar no mundo. Mas todas as margens são lugares para nós e, sempre que seguimos o curso, aparecerão novas margens assim como novas e mais belas flores.
No curso do rio, assim como no curso da vida, passamos também por margens feias e cheias de pedregulhos como obstáculos. Em alguns momentos o rio parece até correr mais lento que o normal. Então nestas horas sempre nos lembramos da última bela flor que vimos, ou seja, lembramos-nos do último momento de alegria e felicidade.
Entretanto, esta lembrança à qual estamos apegados pode não oferecer mais aquele sentimento. Pare para pensar e vai perceber que muitas vezes, em momentos difíceis, ligamos para pessoas que lembramos gostar, vestimos roupas, vamos a lugares que já tivemos bons momentos ou até escutamos determinada música, mas muitas vezes aquele sentimento não retorna.
Nestes momentos é que estamos praticando a mais pura resistência. Ficamos presos ao passado tentando trazer de volta aquilo que já passou e nosso sofrimento só aumenta. Além disto, podemos estar provocando sofrimento nas pessoas a quem estamos prendendo.
Esta lembrança deveria fazer parte de nosso arsenal de memórias que modo a nos a suportar os desafios e não de ponto de parada a nos impedir de contorná-los.
Quando usamos as memórias de forma positiva funciona como refrigério e elas passam a ter um propósito positivo, mas quando as usamos como âncora, elas nos impedem de seguir nosso curso. Quando não seguimos nosso curso ficamos enfraquecidos e ficando enfraquecidos somos mais impactados pelos obstáculos.
O mais importante a considerar é que, querendo nós ou não, as situações passam, os relacionamentos terminam, as amizades esfriam, os trabalhos mudam, os filhos crescem e os negócios acabam. Isto é inevitável. O que ficamos segurando não são as situações ou coisas, mas sim suas lembranças.
Repare, olhe para trás, faça o exercício e perceba aquela situação que te incomoda. Verás que está preso à ideia do que já foi (ou poderia ter sido) e não do que é de fato. Se olhar direitinho vai perceber que está agarrado à sombra daquilo que pode estar caminhando bem longe.
Deixe ir e fique com a mais positiva lembrança, use-a como combustível para abastecer seu barco e seguir ainda mais longe com o lindo rio da sua vida. Certamente depois de passar pelas margens secas as flores estarão plenas só esperando seu beijo.