O Mundo Invertido

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Estamos vivendo uma época diferente, cheia de extremos, na qual todos querem ter razão. Na verdade, todos estão certos de que tem a razão. Discutindo política, religião, querendo fazer o outro mudar de lado e ir para o nosso lado, que, obviamente consideramos ser o lado da verdade.

 

Mas que verdade?

 

A verdade verdadeira não está ao alcance de ninguém e ao mesmo tempo está ao alcance de todos. Estamos o tempo todo querendo atribuir valor à verdade. Parece que estamos confundindo verdade com unanimidade, pois sob alguma perspectiva tudo é verdade. Se existe, se está materializado é verdade afinal.

 

Neste mundo em que todos queremos ter razão e estamos lutando para termos/sermos alguma coisa, termos algum destaque ou alguma razão, estudando, acumulando títulos até obrigarmos o LinkedIn a aumentar a quantidade de caracteres da nossa biografia, e, ao mesmo tempo deixamos a vida tomar rumos estranhos.

 

Já observou?

  • Nunca tivemos tantos médicos e cada dia temos mais gente doente
  • Nunca tivemos tantos advogados e cada dia temos mais brigas e processos entre as pessoas
  • Nunca tivemos tantas pesquisas e cada dia aparecem mais novas doenças
  • Nunca tivemos tanta negociação e a cada dia começam novas guerras
  • Nunca tivemos tanta produção agrícola e a cada dia temos mais gente morrendo de fome
  • Nunca tivemos tanto dinheiro no mundo e cada dia tem mais miseráveis
  • Nunca tivemos tantas igrejas e cada dia tem mais gente perdida
  • Nunca tivemos tanta informação e cada dia temos menos conhecimento
  • Nunca tivemos tanta tecnologia para nos ajudar e cada vez temos menos tempo
  • Nunca tivemos tanto entretenimento e cada dia temos mais tédio
  • Nunca tivemos tantos remédios, psicólogos e psiquiatras e cada dia temos mais depressão
  • Nunca tivemos tantas soluções, mas cada dia temos mais problemas

 

Temos muito de tudo, mas aparentemente, este muito não está resolvendo. Tenho a impressão que este muito de tudo só está aqui à nos confundir.

 

Estamos esquecendo de simplesmente viver a vida. Estamos invertendo os valores, estamos perdendo a capacidade de sermos simples, de sorrir para o outro, de ajudar em troca de nada, de contemplar o que já estava aqui antes de chegarmos, de entender a dor.

 

Queremos ser cada vez mais resolutivos, mas nos esquecemos que as vezes as pessoas só querem mesmo ser ouvidas. Nos esquecemos até de respirar e sentir a vida dentro de nós.

 

Queremos tanto aproveitar a vida que esquecemos de simplesmente vive-la, esquecemos como faz para deixar que ela simplesmente aconteça.

 

É como se passássemos a vida inteira construindo barragens para conter o fluxo do rio. Resistimos a tudo, criamos problemas para vender soluções, mas esquecemos que problemas geram sofrimento e muito deste sofrimento poderia ser evitado.

 

Estamos criando uma geração de gente foda que faz musculação no cérebro para tentar se enquadrar em tanta tecnologia sem finalidade. Esquecemos que nosso cérebro foi criado fino, quase transparente para que a luz que mora lá no fundo possa dar seu sinal, mas com este endurecimento estamos dificultando cada vez mais que esta luz seja vista.

 

Dividimos um inconsciente coletivo, mas nosso modelo de vida moderno faz com que tentemos encapsulá-lo. Estamos tendendo à individualidade, presos em casas aparelhadas e mentalidades endurecidas.

 

Enquanto estamos criando esta parafernália toda que, fatalmente vai (ou já está a) nos dominar, vamos perdendo a simplicidade, a gentileza, a doçura, a capacidade enxergar...

Enquanto estamos tentando resolver a vida, na verdade estamos é deixando-a acabar.

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